“Todos Os Homens São Maricas Quando Estão Com Gripe”
Vitorino Salomé (original - 2006) / Salvador Sobral
Pachos na testa, terço na mão. Uma botija, chá de limão.
Zaragatoas, vinho com mel. Três aspirinas, creme na pele.
Dói-me a garganta, chamo a mulher. Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela. Cala os miúdos, fecha a janela.
Não quero canja, nem a salada. Ai Lurdes, Lurdes – não vales nada.
Se tu sonhasses, como me sinto. Já vejo a morte, nunca te minto.
Já vejo o inferno. Chamas, diabos. Anjos estranhos. Cornos e rabos.
Tigres sem listas. Bodes de tranças.
Choros de corujas. Risos de grilo.
Ai Lurdes, Lurdes – que foi aquilo?
Não é a chuva, no meu postigo. Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo.
Não é o vento, a cirandar. Nem são as vozes, que vêm do mar.
Não é o pingo de uma torneira, põe-me a santinha à cabeceira.
Compõe-me a colcha, fala ao prior. Pousa o Jesus, no cobertor.
Chama o doutor. Passa a chamada!
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada
Faz-me tisanas e pão de ló. Não te levantes, que fico só.
Aqui sozinho, a apodrecer.
Ai Lurdes Lurdes, que vou morrer!
Compositor: António Lobo Antunes (médico psiquiatra e escritor)
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